domingo, outubro 31, 2010

Os Marcianos chegaram a Portugal, em 1958



Ao ler um artigo no blog Vintage69 apercebi-me de que, se é sobejamente conhecida a nível internacional a versão radiofónica de "A Guerra dos Mundos" (livro de H.G. Wells de 1898) narrada por Orson Welles em 30 de Outubro de 1938, actualmente poucos fora de Portugal se recordarão da versão portuguesa de 1958 da invasão dos marcianos (que não passou despercebida a nível mundial pela imprensa da época). A nível nacional, ocasionalmente ainda é recordada a enorme polémica causada pelo pânico e sugestão colectiva que a emissão interpretada por Álvaro de Lemos - na Rádio Renascença ( a Emissora Católica Portuguesa) e que até tinha sido aprovada pela censura e demais autoridades - causou cá na terrinha. Depois de imensas chamadas telefónicas na rádio, jornais, Polícia e Bombeiros, a Policia interrompeu a emissão, o responsável foi preso por 3 horas e
mais tarde interrogado pela PIDE (a famigerada policia política do regime Salazarista). Só horas depois do fim da emissão, a calma retornou, mas entretanto populares e Bombeiros foram até alguns dos locais onde supostamente os extraterrestres estariam a atacar, e milhares de portugueses ficaram desassossegados, enganados pelo realismo das descrições dos repórteres que narravam a "invasão dos marcianos" ao vivo.
Nada melhor que ler um artigo narrado pelo criador da emissão portuguesa de 25 de Maio de 1958,  Matos Maia: Como nasceu "A invasão dos marcianos"

Alguns excertos:

"Em meados da década de 50 li (...) um artigo sobre a "Guerra dos mundos", de Herbert Wells e algumas linhas do guião escrito por Howard Koch, o argumentista do filme "Casablanca".
Achei curioso tentar fazer uma emissão similiar em Portugal, em locais conhecidos, com nomes portugueses.
Reli "A guerra dos mundos" e elaborei uma sinopse do que seria do programa.(...)
(...)A escolha caiu sobre um colega e amigo dos Emissores Associados de Lisboa, Álvaro de Lemos.
Seguiu-se o trabalho de pedir a colegas e a amigos se tinham parentes ou colegas de trabalho que pudessem colaborar. Vozes fortes para comandantes de exército; voz pausada, mas firme para membros do Governo, etc.
Seguiu-se um trabalho de imaginação: inventar ruídos para determinadas situações (...)
Criámos os nossos próprios sons e um dos mais curiosos é o do ruído de multidão assustada e aos gritos. Esse som assim parece no contexto em que foi inserido. No entanto trata-se de uma gravação que fizemos num baile de fim-de-ano na Casa do Algarve que era vizinha dos estúdios da R.R (...)
Desde que escrevi a sinopse até o programa ficar pronto para transmitir, o trabalho durou 11 meses e algumas semanas.
Durante a transmissão começaram a "chover" os telefonemas dos mais variados: angustiantes, curiosos, insultuosos, etc"(...)
(...)um senhor super irritado, dizendo ser o comandante de piquete da PSP no Governo Civil, me ordenava que parasse a transmissão, caso contrário... me mandaria prender (...)
(...)mandou um sub-chefe e três guardas devidamente armados prender-me aos estúdios. Aí a emissão foi interrompida e passaram a transmitir discos.
No Governo Civil compreendi a histeria do graduado: um PBX com 20 linhas estava totalmente bloqueado por pessoas a saber
o que se passava, porque tinham visto incêndios em-Carcavelos (?); qual era a guerra que havia em Vila Nova de Gaia (?), etc.(...)
(...)Para "saber que não se brinca com coisas sérias!" prendeu-me numa cela, durante cerca de 3 horas, como um vulgar meliante.
No dia seguinte todos os jornais tinham manchetes sobre o assunto, uns criticando, pouquíssimos aplaudindo.(...)
Pouco mais de uma semana após a emissão fui levado à PIDE por um agente, para interrogatório.(...)Tinha dois dias para entregar uma lista completa de todos os participantes na "parvoíce" (sic) com nomes, moradas, números de telefonemas, moradas de empregos, números dos B.I., idades, etc., etc.(...)" 


Ouça ou faça download da emissão, em 3 ficheiros de MP3:

Reacções na Imprensa da época (Clique sobre as fotos para as ver maiores):







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